4 de dez. de 2010

O carreiro, a pingela, o pote de ouro

Corria um boato entre os meninos, inclusive entre meus irmãos, que no final daquele carreirinho que leva até o cemitério havia um pote de ouro, que ficava lá por algumas horas depois de uma bela chuvarada. Eu, que sou pra lá de corajosa, tinha que dar um jeitinho de conferir, e de quebra tirar um sarro dos meninos.
Esperei pacientemente pelo tempo chuvoso ideal, que não se armava nunca. A conversa do pote de ouro estava cada vez mais convincente, e eu já fazia meus inocentes planos de como gastar todas aquelas moedas de ouro. Eu iria guardar uma pra mim, claro, só pra ficar olhando e lembrando como fui brava em minha empreitada. Todos os dias abria a janela, antes de me arrumar para ir à escola, e verificava a possibilidade da chuva. Não contava pra ninguém, pois queria tudo só pra mim.
Eis que uma bela manhã anuviada formou-se, e eu feliz fui pra aula já com meu itinerário pensado: passar pela pinguela, pelo carreiro, pelo cemitério e enfim correr ao meu tesouro! Durante a aula de Gramática começaram os primeiros pingos que se transformaram em um temporal. E eu, não cabia em mim.
Na saída da escola, despistei meus irmãos e fui, de guarda-chuva em punho, uniforme impecavelmente limpo, cachinhos dourados balançando. Cheguei até a pinguela, que tinha só umas tábuas suspensas e uma corda estendida pra segurar. Pensei: Sou leve, a ponte aguenta! E aguentou. Meus sapatos já estavam encharcados, minhas meias brancas já não tão brancas – minha mãe ia ter um treco.
Quando me deparei com o carreirinho, não olhei para os lados. A chuva já havia cessado, mas o dia estava escuro, e as árvores fechavam em torno do caminho, deixando tudo densamente pavoroso. Cada pedra que eu pisava eu pensava: Uma cobra vai pular em mim! Socorro! Mas, que nada. Cheguei em frente ao portão do cemitério. Agora sim, precisaria de toda a coragem do mundo. Abri o portão que parecia mais um cenário do filme do Drácula. Rangeu alto, assustador. Meio que fechei os olhos, traçando uma reta, e segui.
Não sabia quanto tempo havia se passado, nem imaginava se alguém teria sentido minha falta na mesa do almoço – claro que estavam todos atrás de mim, mas naquele momento nada disso importava.
Foi quando cheguei ao final do cemitério e dei de cara com um muro super alto, alto mesmo. Olhei para os lados, não havia nada. Nada. Nem pote, nem ouro, nem saída.
O único caminho para sair dali era voltar. Larguei-me sentada num dos túmulos, já sem medo e com um ódio cego: Aqueles meninos me pagam !!!

O caráter singular da língua na Análise de Discurso[1]

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